Nestes romances sequenciais surge o mundo muçulmano, personalizado em uma família que vive no Cairo no período da ocupação e tutela britânica, entre as duas grandes guerras mundiais.
O primeiro volume, Entre Dois Palácios, quase leva a desistência da leitura - enredo lento e descritivo de sentimentos pessoais e, o personagem central do Ebei, clã paternalista do comerciante Ahmed Abd el-Gawwad, traz uma rechaço logo de cara: é uma figura de rispidez e ostentação, conduzindo a família com violência, o que contradiz com sua postura na 'rua' - amistosa e alegre, mas cúpida em todos os sentidos do termo, acreditando piamente no perdão de Alláh.
Com a expansão da família por nascimentos, casamentos e concubinatos, os dois volumes que finalizam a trilogia mostram uma narrativa mais de ideias e diálogos, fazendo mais abertamente a contraposição da política da época, da religiosidade e da cultura árabe-muçulmana. Vejam o segmento de fala entre os dois irmãos presos, netos de Ahmed e de seu tio Kamal, professor e filósofo, analisando a situação...
"Abd el-Monem soltou um suspiro e disse numa voz que só Ahmed (neto) pode ouvir: - Me jogaram neste lugar pela única razão de que eu reverencio Deus? Ahmed cochichou-lhe ao ouvido, com um sorriso nos lábios: - E que erro cometi, eu que nem mesmo o reverencio? (...) - Tanto o que reverencia Deus como aquele que não O reverencia? - perguntou Ryad, sorrindo. - É preciso primeiro reverenciar o governo, se você quiser viver em paz!"
Afinal, espreitar através dos muxarabiês os passantes das ruas não sintoniza com nossa cultural e tempo. Precisamos evitar as armadilhas de comparações anacrônicas, fora do nossa época. Mas o autor - Nagib Mahfuz - conquistou o Nobel de Literatura de 1989 por esta obra.
É na leitura das diferenças que crescemos. Saudações. Out/2020.
