Episódio II, Final.
Se, em O Pêndulo de Foucault, Umberto Eco disseca a história dos Templários e nos apresenta o ponto de vista das pessoas comuns das pequenas comunidades italianas durante a Segunda Guerra (e aqui entra a história do “tio”), em O Cemitério de Praga (2010) vivemos os acontecimentos da segunda metade do Século XIX, Garibaldi e a Unificação da Itália, o reinado de Napoleão III da França, na visão de um falsário.
Maçonaria e seitas obscuras voltam à tona. E, justamente, retornamos aos “documentos” e, nada mais ilustrativo que a figura de um tabelião falsário, Simonini, que ganha dinheiro recuperando testamentos “perdidos”, dissemina histórias falsas, envolvendo-se no Caso Dreyfus e nos Protocolos dos Sábios de Sião, além de outras tantas conspirações. Cria tantas mentiras que acaba ele mesmo sendo uma.
Como em Baudolino de 2000, Eco cria o anti-herói que transita obscuro entre as celebridades e lhes induz vontades que explicam o rumo da História. A personagem fictícia entre tantas figuras reais talvez personifique aqueles que de forma inconsequente ou egocêntrica não tiveram pudor em espalhar suas “verdades” e preconceitos em prol do seu próprio conforto e conveniência.
No início da obra, segundo capítulo, de certa forma Eco apresenta as razões de Simonini fazer o que faz, as justificativas de seus atos. Nas palavras do próprio personagem que se pergunta “Quem sou?”, a melhor resposta vem ao responder “Quem odeio?”
“(...) Quem odeio? Os judeus, me ocorreria dizer. (...) Deles, sei apenas o que me ensinou meu avô: ‘São o povo ateu por excelência’, ele me instruía. Partem do conceito de que o bem deve se realizar aqui, não além-túmulo. Por conseguinte, agem somente para a conquista deste mundo. (...)
Os alemães eu conheci, e até trabalhei para eles: o mais baixo nível concebível da humanidade. Um alemão produz em média o dobro das fezes de um francês. (...) Eu não tenho preconceitos.
Desde que me tornei francês (...), compreendi quanto meus novos compatriotas são preguiçosos, trapaceiros, rancorosos, ciumentos, orgulhosos além de todos os limites, a ponto de pensarem que quem não é francês é um selvagem, (...) Acham que o mundo inteiro fala francês. (...) Se me fiz francês, foi porque não podia suportar ser italiano. (...)” (Tradução de Joana Angélica d’Avila Melo)
E, assim, Simonini segue o rol de odiosos: padres, jesuítas, mulheres... E, por conseguinte, parece não haver problema em fazer o mal aos que são odiáveis e tirar um bom proveito disso. Sem preconceitos, é claro.
Paulo Frandoloso - Médico Pediatra; Jul/2020.
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